Joaquim
Barbosa diz que impeachment está sendo feito sem consulta à população.
O
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa criticou hoje
(12) a tramitação do processo de impeachment da presidenta Dilma
Rousseff. Para ele, as decisões sobre o afastamento foram tomadas sem levar a
em consideração a opinião da população.
“Como explicar ao mundo
uma troca de comando tão espetacular? Nada sutil, apenas com a estampa de
normalidade, como essa que está ocorrendo no dia de hoje. Como explicar ao
mundo uma mudança tão brutal sem que ele, o maior interessado, o povo, tenha
sido sequer cogitado como partícipe desse debate”, disse ao participar da Vtex
Day, feira de comércio eletrônico no Parque Ibirapuera, zona sul da capital
paulista.
No
início da manhã de hoje, o Senado aprovou a abertura de processo de destituição
de Dilma e o afastamento da presidenta por até 180 dias. O vice, Michel Temer,
assume o cargo neste período. Ao final do processo, Temer pode tomar posse
definitivamente, caso os senadores confirmem o impedimento da presidenta.
“Não é estranho que o
povo assista mais uma vez, como se deu no final do século 19, bestializado ao
que os políticos estão a perpetrar no nosso país? Onde estão as vozes da
população?”, questionou Joaquim Barbosa na palestra. A expressão faz referência
ao artigo do jornalista Aristides Lobo sobre a proclamação da República. Na
ocasião, o autor ressaltou que a revolução organizada por militares e membros
da elite política que derrubou o imperador não teve participação popular. “O
povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que
significava”, diz o texto publicado em 1889.
A
ascensão do PMDB, em uma provável aliança com o PSDB, também foi alvo das
críticas de Barbosa. “Estarão no comando do nosso país a partir de agora dois
grupos bem especiais de operadores políticos”, disse em referência aos dois
partidos. “O primeiro grupo, nestes 30 anos de vida democrática, jamais
conseguiu eleger um presidente da República. Esse grupo terá agora a
Presidência da República”, disse em referência ao partido de Temer.
“O segundo grupo de
operadores políticos, no prazo constitucionalmente marcado para as próximas
eleições [2018], iria completar 20 anos sem ganhar uma eleição, sem ter o gosto
de uma vitória”, completou o raciocínio ao falar sobre o PSDB. “Como justificar
essa anomalia? Por que os nossos acadêmicos, os nossos intelectuais e os nossos
meios de comunicação têm evitado esse debate específico?”
Novas
Eleições
Barbosa
disse que é "radicalmente favorável" à convocação de novas eleições para
presidente. "Essa é a verdadeira solução. A solução que eliminaria toda
essa anomalia, esse mal-estar com o qual nós seremos obrigados a conviver nos
próximos dois anos e oito meses. Dar a palavra ao povo”, defendeu.
O
ministro aposentado reconheceu, entretanto, que a medida tem empecilhos
constitucionais. A única forma de ser aplicada, na visão de Barbosa, seria se
Dilma tivesse renunciado e o vice tivesse feito o mesmo.
Dilma
Apesar
das críticas ao processo e aos grupos políticos que devem assumir o poder,
Barbosa também atribuiu parte da culpa pela instabilidade política à Dilma. “A
presidente Dilma Rousseff não soube conduzir o país. Não soube exercer a
liderança que se espera de um chefe de Estado dessa envergadura. Ela agiu como
se governasse para o seu grupo político e para os seus aliados de ocasião. Ela
não soube se comunicar com a nação. Ela fez péssimas escolhas e cometeu erros
imperdoáveis”, disse.
Para
o ministro aposentado, a presidenta não soube como lidar com a corrupção. “Eu
não digo que a presidente compactuou abertamente com os segmentos corruptos
existentes no seu governo, partido e base de apoio. Mas ela se omitiu,
silenciou-se, foi ambígua. Não soube se distanciar do ambiente deletério que a
cercava. Não soube exercer o comando e acabou engolida por essa gente”,
analisou.
“Eu sei bem que a
presidente da República que foi tirada do cargo no dia de hoje é extremamente
impopular. Eu sei que há um sentimento generalizado pela sua saída. A minha
preocupação é com os aspectos estruturais das nossas instituições”, ponderou.
Motivação
Entre
os problemas que deram origem à crise política, Barbosa apontou a relação que
costuma ser estabelecida entre o Legislativo e o Executivo. “Nada dessa
promiscuidade que faz com que o presidente da República entregue setores
inteiros da sua administração às lideranças no Congresso, para que essas
lideranças organizem a robalheira dos recursos públicos. Nada disso está
previsto na Constituição”, criticou.
Barbosa
disse acreditar que a destituição de Dilma esteja servindo a interesses
espúrios. “Eles querem tomar o poder a qualquer custo para continuar nas
práticas ilícitas. É isso que está em jogo”.
“Eu tenho sérias dúvidas
quanto à integridade e à adequação desse processo de impeachment por esse
motivo que foi escolhido”, acrescentou. Para o ministro aposentado, “há um
problema muito sério de proporcionalidade”, uma vez que manobras contábeis e
fiscais semelhantes às feitas pelo governo federal são corriqueiras em outras
esferas do Executivo, como nas administrações estaduais.
Barbosa
também enfatizou que o mérito do impeachment não foi validado pelo
STF, como, segundo ele, alguns tentam fazer parecer. “O que o Supremo Tribunal
tem feito é exercer o escrutínio moderado sobre o rito, o procedimento e as
formalidades do processo. O Supremo não examinou, não pode examinar e
provavelmente não examinará o mérito do impeachment”.
Joaquim
Barbosa se aposentou do cargo de ministro do Supremo em 2014. Ele foi indicado
à Suprema Corte em 2003, no mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Fonte: Agência Brasil
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