Adoção de crianças mais velhas
cresce no País, mas bebês ainda são preferidos.
Na frieza dos números,
há oito famílias disponíveis para cada criança apta à adoção no país. A
equação, na prática, não fecha. Nos abrigos brasileiros, meninos e meninas com
idade superior a 3 anos são maioria e, ao mesmo tempo, os menos desejados pelos
aspirantes a pais. Ano a ano, os pretendentes têm, timidamente, aberto o leque
de preferências etárias, mas a idealização de um filho recém-nascido ainda faz
permanecer o descompasso.
Um trauma que a criança mais velha pode carregar -
abandono, negligência e até maus-tratos - é uma das principais razões pelas
quais as famílias inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) prefiram
bebês. "A criança maior já consegue relatar experiências. E mesmo que ela
possa misturar fantasia e realidade, é difícil para os pais lidarem com o
registro de memória", diz a psicóloga Sanmya Salomão, coordenadora do
programa de adoção tardia da ONG Aconchego, em Brasília.
As estatísticas do CNA - administrado pela
Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) -
mostram que mais de 57% dos pretendentes exigem que seus filhos tenham até 3
anos. A partir daí, o porcentual diminui à medida que a idade aumenta, a ponto
de só 5% se interessarem por crianças acima de 8 anos.
Aos poucos, campanhas de conscientização e de
preparação para adultos habilitados a adotar têm mudado essa realidade. Em
2015, foram efetivadas 711 adoções tardias - a partir de 3 anos, conforme
classificação do Judiciário -, 79 a mais do que em 2014 e 150 a mais em relação
a 2013.
"Achávamos que poderia
ser preconceito, mas, na verdade, a questão é a falta de conhecimento
emocional", diz o juiz Elio Braz Mendes, titular da Vara de Infância e
Juventude do Recife.
O problema não é que os adultos prefiram um filho que
se encaixe perfeitamente em seus sonhos - a idealização é normal, diz Mendes.
"Só que esse desejo precisa ser amadurecido e vir ao encontro da
realidade. Não fabricamos crianças", afirma.
Os abrigados em instituições de acolhimento são, na
maioria, meninos pardos de 8 a 17 anos que têm irmãos. Os pretendentes não
fazem tanta distinção quanto a sexo ou raça, mas requerem crianças mais novas
e, em mais de 70% dos casos, não aceitam adotar irmãos.
Uma das iniciativas da Comarca do Recife foi implementar a campanha "Adote
um pequeno torcedor", apoiado pelo Sport. Crianças com mais de 7 anos que
torcem para o clube ganham visibilidade em vídeos transmitidos no estádio e na
internet. O objetivo, diz Mendes, é mostrar para a sociedade quem elas são.
"Senão ficam na sombra, escondidas nos abrigos como se fossem
prisioneiras, o que não são", afirma. Em seis meses, cinco foram adotadas.
Perfil
No Cadastro Nacional de
Crianças Acolhidas (CNCA), 88% delas nas 3.973 instituições de acolhimento do
País se enquadrariam no conceito de adoção tardia. Mais de 90% não estão aptas
a entrar no CNA em função de pendências judiciais - algumas ainda não foram
destituídas do poder familiar biológico, por exemplo.
"Quanto mais tempo a criança
permanece em um abrigo, mais complicada pode ser a vinculação a um novo modelo
parental. E os pretendentes se perguntam: vou conseguir lidar com isso?",
diz a professora da Universidade Tiradentes (Unit) Marlizete Maldonado Vargas,
autora do livro Adoção Tardia: Da Família Sonhada à Família Possível.
A verdade, segundo ela, é que a adoção de crianças
maiores não está mais associada a uma espécie de segunda opção, mas a um
interesse genuíno em trocas profundas de afeto. "É uma relação que se
constrói de uma forma espontânea e bonita."
O adulto que queira se
habilitar à adoção é obrigado a passar por preparação psicossocial e jurídica.
"Muitos argumentam que a jornada seria mais fácil, portanto, com um bebê,
que seria mais 'moldável'", diz a psicóloga Niva Campos, supervisora da
Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e Juventude de
Brasília, onde 98% das famílias só aceitam crianças de até 3 anos. Isso é mito.
"O bebê é uma 'caixinha' muito mais misteriosa." As informações são
do jornal O Estado de S. Paulo.
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