Divulgada
mensagem do papa para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
No dia em que a Igreja
celebra a memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro, é costume a
divulgação da Mensagem do papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais. Nesta
quinta-feira, o Vaticano disponibilizou o texto para ser refletido no dia 2 de
junho, com o tema “‘Somos membros uns dos outros’ (Ef 4, 25): das comunidades
de redes sociais à comunidade humana”.
A mensagem apresenta o
convite à reflexão sobre as relações entre as pessoas na internet, ambiente no
qual a Igreja acredita que deve ser usado para o “encontro das pessoas e a
solidariedade entre todos”.
“Com esta Mensagem,
gostaria de vos convidar uma vez mais a refletir sobre o fundamento e a
importância do nosso ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual
panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na
própria solidão”, escreveu Francisco.
Usando a imagem da
rede, Francisco conduz sua reflexão sobre o ambiente virtual, suas
potencialidades, estrutura e forma de organização. Também recorre à imagem da
comunidade que, “como rede solidária, requer a escuta recíproca e o diálogo,
baseado no uso responsável da linguagem”.
O papa chama atenção
para algumas realidades que se manifestam negativamente no ambiente digital,
como a exposição “à desinformação e à distorção consciente e pilotada dos fatos
e relações interpessoais”; o “uso manipulador dos dados pessoais, visando obter
vantagens do plano político ou econômico, sem o devido respeito pela pessoa e
seus direitos”; o cyberbullyng no meio adolescente; a identidade nas
comunidades digitais fundada na contraposição do outro; e a realidade do
isolamento, apontada como motivadora para existência dos “Jovens ‘eremitas
sociais’”.
Para reencontrar a
verdadeira identidade comunitária na consciência da responsabilidade que temos
uns para com os outros, inclusive na rede on-line, Francisco propõe outra
metáfora: o corpo e os membros, “usada por São Paulo para falar da relação de
reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une”. O papa
reforça a verdade, indica o olhar de inclusão e a capacidade de compreensão e
comunicação entre as pessoas humanas que “tem o seu fundamento na comunhão de
amor entre as Pessoas divinas”.
“Investir nas relações,
afirmar o caráter interpessoal da nossa humanidade, manifestar a comunhão que
marca nossa identidade de crentes, comunicar, acolher e compreender o dom do
outro e corresponder-lhe”, afirma.
“Esta é a rede que
queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para libertar, para preservar
uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela
Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos [«like»], mas na
verdade, no «amém» com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os
outros”.
Leia a
mensagem na íntegra.
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O LIII DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
(2 DE JUNHO DE 2019)
« “Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25):
das comunidades de redes sociais à
comunidade humana »
Queridos irmãos e irmãs!
Desde quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja tem
sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade
entre todos. Com esta Mensagem,
gostaria de vos convidar uma vez mais a refletir sobre o fundamento e a
importância do nosso ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual
panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na
própria solidão.
As metáforas da «rede» e da
«comunidade»
Hoje, o ambiente dos mass-media é tão invasivo que já não se
consegue separar do círculo da vida quotidiana. A rede é um recurso do nosso
tempo: uma fonte de conhecimentos e relações outrora impensáveis. Mas numerosos
especialistas, a propósito das profundas transformações impressas pela
tecnologia às lógicas da produção, circulação e fruição dos conteúdos, destacam
também os riscos que ameaçam a busca e a partilha duma informação autêntica à
escala global. Se é verdade que a internet constitui uma possibilidade
extraordinária de acesso ao saber, verdade é também que se revelou como um dos
locais mais expostos à desinformação e à distorção consciente e pilotada dos
factos e relações interpessoais, a ponto de muitas vezes cair no descrédito.
É necessário reconhecer que se, por um lado, as redes sociais
servem para nos conectarmos melhor, fazendo-nos encontrar e ajudar uns aos
outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos dados pessoais,
visando obter vantagens no plano político ou económico, sem o devido respeito
pela pessoa e seus direitos. As estatísticas relativas aos mais jovens revelam
que um em cada quatro adolescentes está envolvido em episódios de cyberbullying.[1]
Na complexidade deste cenário, pode ser útil voltar a refletir
sobre a metáfora da rede, colocada
inicialmente como fundamento da internet para ajudar a descobrir as suas
potencialidades positivas. A figura da rede convida-nos a refletir sobre a
multiplicidade de percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de
tipo hierárquico, uma organização de tipo vertical, asseguram a sua
consistência. A rede funciona graças à comparticipação de todos os elementos.
Reconduzida à dimensão antropológica, a metáfora da rede lembra
outra figura densa de significados: a comunidade. Uma comunidade é tanto mais forte quando mais for
coesa e solidária, animada por sentimentos de confiança e empenhada em
objetivos compartilháveis. Como rede solidária, a comunidade requer a escuta
recíproca e o diálogo, baseado no uso responsável da linguagem.
No cenário atual, salta aos olhos de todos como a comunidade de
redes sociais não seja, automaticamente, sinónimo de comunidade. No melhor dos
casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e solidariedade, mas
frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se reconhecem em
torno de interesses ou argumentos caraterizados por vínculos frágeis. Além
disso, na social web, muitas
vezes a identidade funda-se na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao
grupo: define-se mais a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando
espaço à suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual,
religioso, e outros). Esta tendência alimenta grupos que excluem a
heterogeneidade, alimentam no próprio ambiente digital um individualismo
desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de ódio. E, assim, aquela
que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se
exibe o próprio narcisismo.
A rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros,
mas pode também agravar o nosso autoisolamento, como uma teia de aranha capaz
de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los
completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens
«eremitas sociais», que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade.
Esta dinâmica dramática manifesta uma grave rutura no tecido relacional da
sociedade, uma laceração que não podemos ignorar.
Esta realidade multiforme e insidiosa coloca várias questões de
caráter ético, social, jurídico, político, económico, e interpela também a
Igreja. Enquanto cabe aos governos buscar as vias de regulamentação legal para
salvar a visão originária duma rede livre, aberta e segura, é responsabilidade
ao alcance de todos nós promover um uso positivo da mesma.
Naturalmente não basta multiplicar as conexões, para ver crescer
também a compreensão recíproca. Então, como reencontrar a verdadeira identidade
comunitária na consciência da responsabilidade que temos uns para com os outros
inclusive na rede on-line?
«Somos membros uns dos
outros»
Pode-se esboçar uma resposta a partir duma terceira metáfora
– o corpo e os membros –
usada por São Paulo para falar da relação de reciprocidade entre as pessoas,
fundada num organismo que as une. «Por isso, despi-vos da mentira e diga cada
um a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros» (Ef 4, 25). O facto de
sermos membros uns dos outros é
a motivação profunda a que recorre o Apóstolo para exortar a despir-se da
mentira e dizer a verdade: a obrigação de preservar a verdade nasce da
exigência de não negar a mútua relação de comunhão. Com efeito, a verdade
revela-se na comunhão; ao contrário, a mentira é recusa egoísta de reconhecer a
própria pertença ao corpo; é recusa de se dar aos outros, perdendo assim o
único caminho para se reencontrar a si mesmo.
A metáfora do corpo e dos membros leva-nos a refletir sobre a
nossa identidade, que se funda sobre a comunhão e a alteridade. Como cristãos,
todos nos reconhecemos como membros do único corpo cuja cabeça é Cristo. Isto
ajuda-nos a não ver as pessoas como potenciais concorrentes, considerando os
próprios inimigos como pessoas. Já não tenho necessidade do adversário para me
autodefinir, porque o olhar de inclusão, que aprendemos de Cristo, faz-nos
descobrir a alteridade de modo novo, ou seja, como parte integrante e condição
da relação e da proximidade.
Uma tal capacidade de compreensão e comunicação entre as pessoas
humanas tem o seu fundamento na comunhão de amor entre as Pessoas divinas. Deus
não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente, comunicação, porque o
amor sempre comunica; antes, comunica-se a si mesmo para encontrar o outro.
Para comunicar connosco e Se comunicar a nós, Deus adapta-Se à nossa linguagem,
estabelecendo na história um verdadeiro e próprio diálogo com a humanidade (cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 2).
Em virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus,
que é comunhão e comunicação-de-Si, trazemos sempre no coração a nostalgia de
viver em comunhão, de pertencer a uma comunidade. Como afirma São Basílio,
«nada é tão específico da nossa natureza como entrar em relação uns com os
outros, ter necessidade uns dos outros».[2]
O panorama atual convida-nos, a todos nós, a investir nas
relações, a afirmar – também na rede e através da rede – o caráter interpessoal
da nossa humanidade. Por maior força de razão nós, cristãos, somos chamados a
manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes. De facto, a
própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor de Deus,
podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe.
É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a
pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu
mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano, verdadeiramente
pessoal, se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo pessoa conota o
ser humano como «rosto», voltado para o outro, comprometido com os outros. A
nossa vida cresce em humanidade passando do caráter individual ao caráter
pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente o outro
como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem.
Do «like» ao «amen»
A imagem do corpo e dos membros recorda-nos que o uso da social web é complementar do
encontro em carne e osso, vivido através do corpo, do coração, dos olhos, da
contemplação, da respiração do outro. Se a rede for usada como prolongamento ou
expetação de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece um
recurso para a comunhão. Se uma família utiliza a rede para estar mais
conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é
um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da
rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é
uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de
sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o
bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso.
Assim, podemos passar do diagnóstico à terapia: abrir o caminho ao
diálogo, ao encontro, ao sorriso, ao carinho... Esta é a rede que queremos: uma
rede feita, não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão
de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão
Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos [«like»], mas na verdade, no «amen»com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os
outros.
Vaticano, na Memória de São
Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2019.
Franciscus
Fonte: CNBB
Nenhum comentário:
Postar um comentário